Malaca, Portugal colonial na Malásia
Quando planeámos esta nossa viagem pela Malásia, um dos locais que decidimos que seria obrigatório conhecer era sem dúvida a cidade de Malaca (ou Melaka, em malaio).
Declarada em 2008 Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, Malaca é mais que um simples marco da presença portuguesa na Ásia. Apesar dos mais de 500 anos que nos distanciam dessa época, ainda sentimos Portugal nesta cidade.
Talvez seja por isso que tanto orgulho temos deste nosso pequeno país e adoramos conhecer locais onde possamos saber um pouco mais da nossa história. Uma coisa é aprender nos livros, bem diferente é ver, falar com quem lá vive e conhecer Portugal na perspectiva dos outros.
Fundada em 1400 por um príncipe proveniente de um antigo reino de Sumatra, Malaca transformou-se numa cidade-reino próspera e num importante porto controlando todo o comércio asiático. Com uma localização estratégica, na zona mais estreita do Estreito de Malaca, cedo atraiu a cobiça de vários países e por isso foi alvo de sucessivos ataques e tentativas de invasão e os portugueses não foram excepção.
Em Abril de 1511, Afonso de Albuquerque zarpou de Goa em direcção a Malaca com vista à conquista deste pequeno Reino. Foi então que Malaca se tornou base estratégica da expansão portuguesa nas Índias Orientais. Em 1641, os Holandeses tomaram a cidade cedendo-a mais tarde (em 1824) aos Britânicos, em troca de outra localização em Sumatra (hoje conhecida como Indonésia).
Hoje, Malaca é local de veraneio para os habitantes de Kuala Lumpur e por isso num fim-de-semana prolongado (era feriado na segunda-feira) a cidade estava cheia de gente. Como fomos de carro, e o trânsito estava caótico, demoramos mais de 3 horas a percorrer os 140 km que separam as duas cidades.
Mas, assim que chegamos a Malaca somos inebriados pela sua vida, comércio, animação e alegria constantes. Percebe-se o porquê de ser uma zona tão procurada pois tem um encanto diferente. Talvez pela quantidade de visitantes, pela mistura de gentes, mas o certo é que a cidade é mais libertina, mais descontraída e mais feliz do que qualquer outra cidade que visitámos na Malásia.
Como estávamos já perto da hora de almoço dirigimo-nos logo para a Jonker Street. Esta rua fica bem no centro da Chinatown de Malaca e tem um movimento louco com imensos restaurantes, lojas e gente por todo o lado.
Com tudo cheio, acabámos por almoçar no local mais improvável que encontrámos ali perto, um Irish Pub, e com vista para o rio e para o Bastião de Santiago, reconstruído a partir da muralha original.
O centro histórico de Malaca, elevado a património da Humanidade pela UNESCO em 2008, é bem pequeno e fácil de percorrer a pé, e como está muito bem conservado tem qualquer coisa que nos toca. Começámos pela Dutch Square (ou Red Square) onde pudemos ver a Torre do Relógio, a Christ Church e o Stadthuys, que era o edifício administrativo dos holandeses em Malaca. Todas estas construções foram edificadas entre o século XVII e XVIII e demonstram bem a grandiosidade que esta cidade teve há centenas de anos atrás.
Nesta praça, a alegria é imensa e contagiante, muito devido à quantidade de pessoas que por aqui circulam e aos inconfundíveis riquexós com a sua decoração exuberante e música alta, que passeiam os turistas para todo o lado. É impossível passarem despercebidos!
Bem perto da praça e junto ao rio existe um cais onde é possível embarcar num pequeno cruzeiro fluvial de curta duração e que permite um diferente ponto de vista da cidade.
Muito embora Malaca tenha sido portuguesa, os cerca de 130 anos em que permaneceu sob o nosso jugo não foram suficientes para deixar muitas marcas arquitectónicas na cidade, até porque o que existia foi, em muito, destruído pelos holandeses que se seguiram. Da presença portuguesa na cidade sobrevivem apenas duas importantes edificações. Uma delas é a Igreja de São Paulo (St. Paul’s Church), edificada em 1512 com o nome original de Igreja da Nossa Senhora da Anunciada, e que é hoje a mais antiga igreja do Sudeste Asiático. Do alto do monte com o mesmo nome é possivel ter uma vista ampla sobre a cidade e sobre as ruínas.
A outra é a Porta de Santiago da Fortaleza de Malaca, conhecida como “A Famosa”, erguida por Afonso de Albuquerque em 1511 para defender a cidade e quase totalmente demolida pelos britânicos em 1807. É bom saber que ainda hoje mantém o seu nome original e bem português.
Mesmo depois de 500 anos, a herança portuguesa foi tão forte que existe um bairro que miraculosamente ainda perdura como sendo português. É um bairro pequeno, predominantemente constituído por vivendas, onde todas as ruas tem nomes de portugueses e existem diversos restaurantes que publicitam a nossa gastronomia. Aqui Portugal e a nossa bandeira está bem presente.
Enquanto passeávamos junto à marginal, metemos conversa com uns locais que ali estavam e acabámos por perguntar se ainda havia por ali muitos portugueses, ao que nos responderam com ar orgulhoso: “Eu sou português!”.
Obviamente não falava a nossa língua, pois os portugueses de Malaca falam o Papiá Kristang, um dialecto nativo misturado com palavras do “português antigo”, mas referiu que praticamente todos os moradores daquele bairro descendem de portugueses. Acabámos por ficar um pouco á conversa numa tentativa de perceber este sentimento que liga dois países e duas comunidades tão distantes.
São estes os habitantes que insistem em resistir ao esquecimento, lutando pela conservação dos seus costumes, das tradições e das festas religiosas como é o caso do San Juang e do San Pedro, cujas celebrações ocorrem todos os anos e atraem inúmeros visitantes ao bairro. No entanto, a continuidade destas memórias corre sério perigo de desaparecer e este “falar português” tem cada vez mais os dias contados. Os mais velhos ainda lutam, mas a cada dia que passa as histórias que os seus antepassados deixaram vão-se apagando assim como, o idioma começa a ser incapaz de resistir à língua Inglesa.
Dali partimos de regresso a Kuala Lumpur, mas saímos com Portugal na alma e no coração. Adorámos Malaca, e se fosse hoje ficaríamos nesta cidade pelo menos uma noite para melhor desfrutar da sua vida e ambiente.
Nota: Viagem realizada em Abril de 2017
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