Príncipe, natureza em estado puro!

Não foi nada fácil escrever sobre a ilha do Príncipe. Não temos a arte, engenho ou talento que consiga transformar em palavras toda a experiência e beleza desta ilha maravilhosa. Foi claramente o ponto alto da nossa viagem a este país.

Declarada em 2012, reserva da Biosfera mundial pela UNESCO, a ilha do Príncipe possui uma densa floresta tropical húmida e uma enorme diversidade de espécies vegetais e animais, tanto marinhas como terrestres. Estas espécies, muitas delas endémicas, têm uma enorme importância para a conservação da diversidade biológica a um nível global. Uma das suas características está no equilíbrio entre a reduzida população (cerca de 8 mil habitantes) e a sua diversidade ecológica, com práticas que se consideram sustentáveis pois as suas principais atividades económicas são a agricultura, a pesca e o turismo.

O embarque para a ilha foi realizado sem qualquer problema uma vez que as nossas bagagens tinham os 15 kg que a STP impõe como limite. Voámos num Saab com capacidade para 33 lugares que a STP fretou em detrimento do seu Dornier de 18 lugares. Se é verdade que o Príncipe tem ainda muito pouco turismo e oferta hoteleira não é menos verdade que cada vez mais este paraíso está a ser descoberto. Como tal, a própria companhia aérea santomense percebeu a limitação que um avião de 18 lugares poderia gerar nas suas receitas.

Assim que chegámos fomos logo para a Roça Belo Monte, onde ficaríamos alojados nos próximos dois dias. A ilha tem apenas dois hotéis dignos desse nome: a Roça Belo Monte e o BomBom Resort. Como o nosso objectivo não era praia e sim conhecer a ilha, optámos por ficar na roça e em regime de tudo incluído. Somos recebidos pelo director do hotel e um colaborador que nos dão as boas-vindas, e nos informam que o regime de tudo incluído incluí também passeios com guia, moto 4, refeições na praia, etc… É mesmo tudo incluído!

Estavam alojados na roça mais 2 pessoas além de nós portanto tivemos tratamento muito especial e personalizado. A roça foi renovada há muito pouco tempo e tem, além de um serviço fantástico, umas instalações excelentes! Aconselharemos a toda a gente este hotel pela atenção, cuidado, serviço e simpatia dos colaboradores e vontade destes em prestar um serviço de excelência aos visitantes. Já para não falar que a comida no restaurante é deliciosa. Não deixe de provar feijão da terra, molho de fogo e peixe grelhado com banana pão (ou fruta pão) frita.

Para começar, decidimos ir um pouco á praia de manhã para relaxar antes do almoço, e iniciar a exploração da ilha durante a tarde. A praia dista a pouca distância do hotel e estes têm uma carrinha que nos leva e trás as vezes que forem necessárias. Fomos então até à Praia Banana, uma das mais bonitas da ilha, que fica a 5 minutos do hotel. Nem vale a pena tentar descrever, é melhor deixar que façam o vosso próprio juízo, por isso ficam as fotos…

O Príncipe é indescritível! O Príncipe é natureza em estado puro, é mar azul, é simpatia, é alegria, é simplicidade, é felicidade! Poderíamos estar aqui o dia todo e não conseguiríamos exprimir o que sentimos a visitar e a viajar dentro deste pequeno paraíso!

Este deve ser o povo mais bem-educado do mundo. Não passámos por ninguém na rua que não nos cumprimentasse, que não tivesse um sorriso no rosto, as crianças deliram com as fotos, com os estrangeiros, transpiram alegria por todos os poros…Contrariamente ao que acontece em São Tomé e no Ilhéu ninguém nos vem pedir nada, ninguém se sente nesse direito…mas dão-nos tudo: humildade, simplicidade, honestidade, amizade e ainda oferecem do pouco que têm quando nos recebem de braços abertos.

Nos dias que passámos aqui achámos que para tudo ser perfeito só faltou um elemento essencial: o brilho do sol! Embora seja um país quente com clima tropical húmido o sol é sempre muito tímido nas suas aparições. Há muito mais probabilidade de chuva que sol e normalmente estamos sempre sob um tecto de nuvens! Isto acontece em qualquer das ilhas, embora no Príncipe haja ainda mais precipitação.

Após um fantástico almoço saímos em direcção a Santo António, capital da ilha e considerada a cidade mais pequena do mundo. A cidade tem poucos motivos de interesse mas vale a pena uma voltinha só para observar o ritmo e conversar com alguns habitantes locais.

Continuámos em direcção à roça Terreiro Velho onde é produzido o cacau que serve de base à produção dos famosos chocolates artesanais Claudio Corallo cuja fábrica fica na cidade de São Tomé. Aqui experimentámos o cacau ainda em fruto e acabado de colher. Esta visita vale também pela magnífica vista que temos sobre o verde da zona sul da ilha.

Depois do Terreiro Velho e passando pelo miradouro da Nova Estrela, onde se observa o Boné de Jóquei, um afloramento rochoso que tem esta forma, continuamos para sul até à comunidade piscatória de Abade.

Aqui passámos um bom tempo a conversar com os pescadores, brincar um pouco com as crianças que adoram tirar fotos e ver como os próprios constroem as suas canoas para a pesca e consertam as redes.

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Nestes dias estivemos sempre acompanhados pelo José Luís Horta, um dos guias do hotel que teve connosco uma atenção extraordinária. Aconselhamos a todos que, se for possível, se façam acompanhar por ele nas visitas. O José Luís é uma pessoa reservada mas muito bem-disposto e que nos consegue transmitir toda a cultura e costumes deste povo.

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Após a visita à comunidade regressámos à roça passando uma vez mais por Santo António onde ainda parámos para visitar uma loja de artesanato local mas que é também uma escola. Pelo caminho ainda pudemos ver algumas árvores que eram para nós desconhecidas, a da pimenta e a da baunilha.

A presença das equipas da HBD nesta ilha é uma constante. A empresa do milionário Sul Africano Mark Shuttleworth está a desenvolver variadíssimos projectos no sentido de revitalizar as antigas roças da ilha fazendo com as mesmas se desenvolvam mas com uma função pedagógica que o governo, até agora, não tem tido a capacidade para desempenhar. Além dos hotéis que possui nas ilhas (até agora dois: BomBom Resort no Príncipe e Omali em São Tomé) estão a renovar algumas roças para que, aliadas à produção, tenham também uma finalidade turística. Por exemplo, esta loja de artesanato é também uma escola que dá formação gratuita através da HBD para aprenderem a fazer as peças. O apoio e a atitude desta empresa é de louvar. Em vez de dar “peixe” ao povo “ensina-o a pescar” desenvolvendo novas profissões e ajudando a economia e as famílias locais, além da vertente sempre presente da preservação da natureza e da sustentabilidade de todos os projectos.

Chegámos já de noite ao hotel, cansados mas satisfeitos pelo que vimos e pelo que sentimos neste primeiro dia de Príncipe!

No dia seguinte começámos cedo com o nosso amigo José Luís! Saímos para a roça Paciência, uma das roças que está a ser alvo de intervenção da HBD. Pudemos ver aqui vários exemplos da interacção desta empresa com o povo: foi criado um laboratório para extrair aromas de produtos regionais e criar “águas de sabores” com estes. Produzem igualmente doces, frutos secos e aprendem todos os dias novas formas de usar os produtos que a natureza lhes coloca à disposição. A HBD trouxe até um cabo-verdiano para dar formação às mulheres da roça na arte de criar cestos e produtos em vime. Estava a decorrer na altura da nossa visita uma formação de segurança para subir as árvores usando cordas de forma a reduzir o risco de quedas. Estes são apenas alguns exemplos das iniciativas desta empresa que, no limite, ajuda e desenvolve este país na ausência da eficácia governamental.

Depois da roça Paciência visitámos a roça Sundy, a maior e mais emblemática da ilha e que está a ser igualmente alvo de intervenção por parte da HBD. Esta roça chegou a ser a residência oficial da casa real Portuguesa na ilha. Nesta roça encontram-se além das plantações, uma escola, um  hospital, uma capela e vestígios de caminhos-de-ferro para as locomotivas que transportavam o cacau entre os vários departamentos da mesma. Esta roça é ainda hoje a casa de centenas de trabalhadores e suas famílias.

É também o lugar onde Arthur Eddington provou a Teoria da Relatividade de Einstein durante um eclipse total ocorrido em 1919.

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Quando chegámos estava na hora do intervalo da escola por isso fomos imediatamente rodeados pelas crianças com as suas brincadeiras e uma enorme alegria.

Acabámos a manhã a visitar o BomBom Resort. Para quem pretende ambiente de praia, é realmente um resort espetacular, mas por favor, não vão para o Príncipe só para fazer praia, não é de todo compensador. Há tanto para fazer e para visitar aqui…

Depois de um almoço na praia tínhamos nos nossos planos fazer um trilho até à cascata Ponta do Sol. Para fazermos este caminho teríamos de ir de moto 4 pois o percurso de jipe seria impossível! Fizemos à vontade um percurso de cerca de 50 minutos até uma zona próxima da Cascata onde claramente nenhum jipe iria.

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Lá chegados tínhamos ainda cerca de 20 minutos a pé até lá. Infelizmente eu e a Ana, não tínhamos o calçado adequado para conseguimos fazer o percurso até final, por isso ficámos nas proximidades. Isto porque com a chuva e a humidade natural a ilha, a água corre pelas encostas e o trilho fica demasiado lamacento e escorregadio pelo que é um percurso algo perigoso que só aconselhamos aos mais experientes.

Para o fazer devem obrigatoriamente levar calçado de montanha para que consigam chegar lá. As fotos que colocamos são do Rui e aqui podemos ver a beleza da cascata!

Durante o percurso a pé e enquanto esperávamos pelos nossos companheiros, fomos atacados pelos mosquitos. Atenção ao repelente, levem quantidades industriais, por favor! Parece que todos os mosquitos do mundo estão aqui!

Regressados ao hotel, já ao anoitecer, apenas tivemos tempo para nos refrescarmos um pouco e seguir directos à praia grande onde iriamos observar as tartarugas. Sabíamos que esta era a altura da desova mas até lá chegarmos achámos sempre que não iriamos ter a sorte de ver alguma. No percurso de moto 4, que durou cerca de 10 minutos, passámos por milhares de caranguejos que àquela hora se deslocavam para a praia, tendo até, inadvertidamente, passado por cima de alguns. Estes caranguejos fazem as suas tocas em terra firme e quando anoitece descem para a praia parecendo uma praga autêntica! Cada um deles é vendido na cidade a 0,20€. Sim a 0,20€!!! São de casca mole e em Portugal valeriam uma fortuna! É como dizemos, este povo à fome não morre com certeza…

Chegando à praia tivemos de nos fazer deslocar em silêncio e sem luzes acesas. Apenas o José Luís tinha uma luz vermelha pois são as únicas que não assustam e incomodam as tartarugas. Apenas quando a tartaruga dá por terminada a desova é que pudemos usar luzes brancas pois já não irá perturbar o processo.

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Daqui para a frente tudo foi uma sensação maravilhosa e indescritível! Estava uma tartaruga enorme a desovar bem à nossa frente… Cada uma delas abre um enorme buraco na areia e deposita entre 150 a 180 ovos que são mais ou menos do tamanho dos ovos de galinha, e no final cobre-os para os proteger dos predadores. O seu sofrimento é tal que ao fazê-lo chora. Sim, caem lágrimas dos seus olhos durante todo o processo de desova… Depois de garantir que os seus ovos estão a salvo, dirige-se para o mar para voltar ao seu ambiente.

Importa salientar que todas as fotos foram tiradas sem flash para não perturbar a tartaruga, e que foram usadas apenas as lanternas dos nossos telemóveis ou as da equipa da ONG MARAPA  e após indicação desta de que já o poderíamos fazer.

É realmente extraordinário termos tido a oportunidade de presenciar este momento. Não temos, antecipadamente, noção do tamanho destes animais. Esta tinha 1,05m de comprimento por 0,90m de largura.

Existem várias equipas da MARAPA em São Tomé e no Príncipe, que através do Programa Tatô, cuidam e a protegem estes animais para que a sua preservação esteja acima de qualquer questão. Estas mesmas equipas, neste caso, retiraram com todo o cuidado os ovos para os recolocarem, à mesma profundidade, mas mais afastados do mar, no sentido de os protegerem, pois o local original estava demasiado perto do mar. Dizem que a mãe volta mais duas vezes ao mesmo local antes dos ovos eclodirem e saírem tartarugas bebés em direcção ao mar… Quererá, com certeza, ter a garantia de que nenhum predador descobriu e comeu os ovos. Tanto os cães, os porcos (sim, aqui andam soltos), os falcões e outros animais procuram e comem estes ovos. Na mesma praia, nessa noite, havia mais tartarugas a desovar.

Até chegarmos ás nossas motos ainda tivemos de enfrentar a fúria dos caranguejos que são aos milhares espalhados pela praia.

Chegámos ao hotel já perto das 20:30h totalmente exaustos mas cientes de que foi um dia inesquecível! Só podemos agradecer à roça Belo monte pela fantástica experiência que tivemos. É isto que faz a diferença entre hotéis bons e extraordinários e este, este é extraordinário!

Infelizmente a nossa experiência no Príncipe acabou aqui, pois no dia seguinte regressaríamos a São Tomé para dar início ao percurso pela maior ilha do arquipélago.

Já tanto nos arrependemos de não termos ficado mais tempo neste pedaço de mundo abençoado. Na luta constante entre a natureza e os avanços da mão do homem, podemos garantir que aqui a mãe natureza ainda leva clara vantagem!

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Havia ainda tanto para conhecer e explorar, ficou tanto por fazer…

Nota: Viagem realizada em Outubro de 2016

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